DOIS

Havia um silêncio aterrador na mente dela.

E não era o mesmo vazio, a mesma ausência suave que eu estava tão dolorosamente acostumado na mente de Bella. O silêncio de Bella era como uma muralha de névoa, uma blindagem natural que tornava seus pensamentos inacessíveis. Era um buraco no ruído, uma anomalia irritante, mas essencialmente passiva.

O silêncio dela, o de Kora Kent, era diferente. Era ativo. Não era ausência, era uma barreira sólida e fria. Era como um vácuo criado por uma força intencional; a ausência de som de um escudo de aço polido. Meus dons se chocavam contra aquela mente sem encontrar sequer uma fissura, e a sensação não era de frustração, mas de impacto. Era a quietude ensurdecedora que se instalaria após uma explosão, e a natureza desse silêncio me gritava que ela não era humana, e muito menos normal.

E o sangue dela... O cheiro...

Meus sentidos são uma maldição líquida, um lembrete perpétuo do que sou. Desde que conheci Bella, o cheiro de seu sangue era uma canção de sereia violenta e ensurdecedora, o limite de meu autocontrole. Mas com Kora...

Pela primeira vez em toda a minha imortalidade, eu não senti sede!

Não havia fogo em minha garganta, nem o impulso assassino. Seu aroma não era o mel sedutor que eu temia. Era algo limpo, quase ozônico, como a chuva fria sobre a pedra, tingido por um toque sutil de algo que eu só poderia descrever como luz solar.

Era uma atração puramente intelectual, um interesse que não era distorcido pela fome. E isso, mais do que qualquer coisa, me aterrorizava. Ela era uma anomalia em todos os níveis de minha existência.

Antes que eu pudesse sequer processar a miríade de impossibilidades que ela representava, ela se levantou.

E ela era alta. Não apenas ligeiramente. Ela era visivelmente mais alta que eu, e apenas poucos centímetros mais baixa que Emmett, o gigante de nossa família. A diferença de altura, combinada com aquela força silenciosa que eu podia sentir nela, subverteu completamente a minha sensação de superioridade. Eu estava olhando para uma mulher que poderia me igualar em presença física, se não me superasse.
Sem um olhar ou uma palavra, ela se dirigiu à porta e saiu da sala, desaparecendo pelo corredor barulhento.

Eu permaneci ali, perplexo, os olhos arregalados, paralisado. Eu, o vampiro que se move à velocidade do pensamento, fui deixado imóvel. Meu dom era inútil, minha sede era inexistente, e minha percepção de equilíbrio de poder estava irrevogavelmente destruída. Eu não estava apenas intrigado; eu estava desorientado. A Kora Kent parecia o tipo de mistério que prometia, e exigia, eternidade para ser desvendado.

Finalmente, forcei-me a respirar fundo.

E então, o choque: o cheiro me atingiu. Aquele perfume familiar, avassalador, o doce, perigoso e terrível cheiro de sangue que eu estava tão acostumado a temer. A sede irrompeu, voltando com uma violência que me fez apertar os dentes.

Olhei para o lado. Era Bella, parada ali, em pé, me olhando com aquela intensidade melancólica que eu conhecia tão bem.

Voltei a olhar para a frente, apertando as mãos em punhos sob a mesa, tentando canalizar o desejo assassino para o meu próprio tormento. O contraste era esmagador: o silêncio sereno de Kora havia sido substituído pelo caos ensurdecedor da atração de Bella.

— Edward — ela sussurrou. A voz era mínima, incerta, o som da vulnerabilidade humana.

E naquele momento, senti-me arrastado de volta ao meu velho e miserável mundo, percebendo que o breve vislumbre de paz que Kora havia me dado acabara de ser irrevogavelmente perdido.

— Não — murmurei, a palavra escapando áspera, mais para mim mesmo do que para ela. O som era baixo, mas final. Eu não podia ceder. Não podia voltar. Eu me proibi de olhar para aqueles olhos que imploravam. Aquilo não me fazia bem, e, crucialmente, não a fazia bem. Eu tinha imposto o limite, e, por mais que doesse, era o único ato de bondade que eu lhe devia. Se ela voltasse para mim, estaria voltando para o perigo e para a inevitável destruição.

— Por favor... A gente... A gente pode tentar de novo! — ela implorou. O sussurro de desespero dela era como um laço apertando em meu peito.

Foi o suficiente. A combinação da súplica, o cheiro de seu sangue e a memória fresca da quietude de Kora me impulsionaram. Me levantei bruscamente, o movimento rápido e quase violento, derrubando a cadeira atrás de mim com um clack alto que ecoou na sala de aula. Eu precisava de ar; precisava de espaço; precisava fugir daquele magnetismo destrutivo. Saí da sala rapidamente, parecendo quase desesperado, deixando a fragilidade de Bella e o silêncio de Kora para trás. Eu precisava desesperadamente do meu clã. Eu precisava entender o que eu acabara de encontrar.

🌙

A sala de estar dos Cullen, geralmente um refúgio de serenidade gélida, estava carregada de uma expectativa tensa. Sentei-me no sofá de couro branco, com meus irmãos e irmãs reunidos ao redor, com Carlisle à minha frente, a face impassível, mas os olhos inquisitivos.

— Pode repetir o que você disse, desde o começo? — pediu Carlisle, a voz calma tentando guiar minha narrativa caótica.
Era a segunda ou terceira vez que eu repetia os acontecimentos do dia, tentando dar coerência ao impossível. Suspirei. Um ato puramente humano, um resquício de hábito que servia para expressar o quão profundamente perturbado eu estava.

— A garota nova, Kora Kent, olhou para mim como se soubesse de algo, como se o meu segredo estivesse escrito em minha testa — comecei, forçando-me a manter o foco. — E então, o olfato. Não sinto o cheiro do sangue dela. Ela não tem o cheiro de sangue humano... de nenhum humano que eu já encontrei. Ela cheira a outra coisa. A chuva fria sobre ozônio, misturado com algo que eu só consigo descrever como uma calmaria silenciosa. Pela primeira vez, eu não tive que lutar contra a sede.

Fiz uma pausa, notando o espanto crescendo no rosto de Rosalie e a curiosidade científica de Carlisle.

— E então, o meu dom. Não consigo ler a mente dela. Mas de um jeito diferente, não do mesmo jeito que é com a mente de Bella. O silêncio de Bella é uma névoa que me repele; o de Kora é uma muralha forjada em algo sólido. É uma quietude ativa, como um vácuo onde o som foi totalmente excluído por uma força intencional. É o primeiro pensamento que ouvi que não era um som. — detalhei, encarando a perplexidade de minha família. — Eu a senti sair da sala, e senti como se o próprio ar tivesse se acalmado com a ausência dela. Ela não é humana, Carlisle. Não pode ser.

— Ah, não! — Rosalie exclamou, sibilando, cruzando os braços com uma expressão de desdém exasperado. — Eu conheço essa expressão, Edward Cullen. É o mesmo olhar de pânico e fascínio que você tinha quando achava que a mente da Bella era a coisa mais interessante do mundo. Só que desta vez, parece dez vezes pior.

Alice tinha um sorriso bizarro no rosto. Era o sorriso concentrado que ela exibia quando o futuro, de alguma forma, se encaixava em uma imagem mais interessante do que o esperado. Ela não disse nada, mas a alegria radiante que emanava dela — uma alegria que não sentia desde antes de Bella voltar — era ensurdecedora para mim.

Eu me levantei, impaciente, para me afastar da energia coletiva que me cercava.

— Não sei do que você está falando — murmurei, o tom seco, tentando negar a curiosidade que já estava me consumindo. Eu não estava fascinado, estava apenas confuso. E eu não estava a ponto de trocar um tormento por outro, especialmente por algo que mal se encaixava em qualquer categoria de vida que eu conhecia.

Alice, no entanto, não se importou com a minha negação. O sorriso bizarro permaneceu fixo em seu rosto delicado.

— Eu não consigo ver o futuro dela — disse Alice, a voz melodiosa, mas carregada de um assombro que eu raramente ouvia. Ela não parecia chateada, parecia fascinada. — Não é como se fosse um ponto cego, Edward. É como se eu estivesse olhando para a própria escuridão do espaço, um lugar onde a linha do tempo simplesmente não existe ou é muito vasta para a minha visão.

— O quê? — murmurei em choque, e o som da minha voz expressava o espanto de toda a minha família.

Carlisle, Esme, Rosalie, Emmett, até mesmo Jasper – todos olhavam para Alice, paralisados. Bella era um borrão no futuro de Alice, mas esta Kora... ela era o nada. Ela era uma variável que nem mesmo o destino conseguia prever. E na mente de um vampiro que vive para controlar o inevitável, esse era o pensamento mais aterrorizante e, ao mesmo tempo, o mais sedutor de todos.

O futuro dela é tão complexo que não o vejo. Eu o sinto! — continuou Alice, os olhos dourados brilhando com uma intensidade febril. — E é como a primeira vez que vi as estrelas!

Aquelas palavras trouxeram um silêncio ainda mais pesado à sala do que o vazio na mente de Kora. A primeira vez que Alice viu as estrelas foi o momento em que ela despertou como vampira, o nascimento de sua própria imortalidade. Kora Kent não era apenas um enigma; ela era um evento, o despertar de um novo universo para todos nós.

Eu encarei o chão de mármore, a quietude de minha própria mente finalmente se alinhando com o silêncio que eu encontrei na sala de aula. Eu tinha que encontrá-la. Eu tinha que saber o que exatamente era a Kora Kent, essa criatura que podia dar um propósito à minha eternidade.

•••

Notas.

Alguns capítulos alternarão entre o ponto de vista de Edward, como este, e o de Kora. O espaçamento da quebra de tempo de Kora é um sol e o de Edward é a lua. Vou colocar uma aesthetic de cada um no começo de cada capitulo pra facilitar a identificação.

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